Carros cruzam faixas no chão
Luzes passam por mim
É sempre assim
estou realmente aqui?
Ontem é diferente de hoje
Mas as luzes são iguais
Os cheiros são os mesmos
As cores parecem reais
Um som cinza chumbo me desperta
E desliga meus sonhos
Mais um sonâmbulo na cidade
O ônibus lotado tem som de mofo
São os mesmos assuntos no rádio
É tudo requentado
Inclusive meu almoço todo amassado
num pote de plástico
Acordamos mas não despertamos
Ouço um som multicolorido
parece um canto da sereia
Vendedores passam nas ruas
Os produtos nunca mudam
O amanhã tem som de areia
Me perco na minha loucura
polícias passam, meninos furtam
E tudo parece mais do mesmo
tão incrivelmente igual
Me sinto mal
O dia tem cor de agonia
O mês tem cheiro da última vez
A semana passa como a pestana
Durmo mas não sonho
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Sinestesia
sexta-feira, 4 de julho de 2025
Dias inúteis
Eu não escrevo em diário
Eu acordo sempre cedo
Mas tô sempre atrasado
Luta eterna com o horário
Hoje quase fui atropelado
e não é exagero
precisamos correr riscos
enfrentando os ponteiros
Vejo as folhas do calendário
correndo, virando e indo
mas quando isso aconteceu?
não percebi, não fui eu
Ontem me olhei no espelho
e vi mais cabelos brancos
a vida passa, fico velho
E já eram tantos
Não vejo o sol nascer
e quase não vejo se por
a vida é gasta com dias úteis
e no horário do metrô
Mas são dias úteis pra quem
Se só vejo meu tempo passar
estou mais velho, cansado
Logo serei descartado
Entra outro no lugar
segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
Hora do almoço
no prédio
concreto
da cidade
que arde
um passarinho
faz seu ninho
às vezes sou criança
às vezes tenho esperança
no asfalto rachado
cresce o verde
Colorindo o urbano
e chamam de praga
de erva daninha
quem não é arrastado
nesse ritmo insano
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Observações de meio de semana
Para onde vai
O fluxo da cidade
Viadutos e avenidas
Todas entupidas
Passa um carro branco
sou mais um na multidão
A metrópole sofre hipertensão
E nem pensa nas vidas
Um rapaz vai ao cinema
com a namorada
Balde de pipoca, mãos dadas
filme francês ou de herói
Velhas cheirando a alfazema
Um carro preto passa
E entope a avenida da cidade
Ninguém se move e na verdade
A cidade vai sem graça
Prédios, asfalto, sinto calor
O tal progresso destruiu tudo
Seu carro caro não sai do lugar
Buzinas são a orquestra da sua rua
O silêncio ficou sem valor
O futuro não é mudo
Eu só tento falar
A minha verdade crua
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Passagens
Meus pensamentos são diversos
Minha cabeça viaja tanto
Que não escuto o motor
Que faz tudo girar
Se não ouço o canto
Das rimas desses versos
Sinto que preciso parar
E voltar a ser leitor
A vida passa rápido, amigo
Temos que pisar na grama
Olhar menos o umbigo
Mais para quem se ama
O céu ainda é o limite
Mas o espaço ali está
O mundo gira veloz
E não depende de nós
viva, chore, grite
Acredite
O tempo vai acabar
quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Trechos de um canal ruim
Eu era só uma criança
quando vi a guerra na TV
O mocinho atacava incansável
seus dragões de fogo espetaculares
escapavam do radar, cruzavam a noite
mesmo na escuridão total
O fogo chegava no alvo final
Hospitais, parques, crianças.
Belgrado é aqui do lado
Eu já era mais velho
quando vi a morte na internet
ao alcance de um clique
caos online ao alcance da mão
buscando um suposto culpado
mas nada foi provado
Nenhuma organização que explique
o bombardeio de uma nação
Bagdá é mais pra cá
Li no livro de história
Sobre o agente laranja
E o custo bilionário de bombas
Que nunca destruíram a esperança
Na ofensiva do Tet
O Vietnã virá amanhã
Agora ligo a TV
Ou um rádio me diz
A barbárie é tão próxima
Na cidade que parece feliz
tá mais difícil sorrir
O Haiti é aqui
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Manhã
No mesmo trilho segue o trem
Monótono ou ritmado
indo sempre ao mesmo lugar
mas ainda é tão cedo
Gente mau humorada na outra estação
vivendo no mundo do seu celular
o futuro distópico dá medo
lá onde não quero estar
O trilho treme o trem
mesmo preso no dormente
não afeta a essa gente
que vão e nem sei de onde vêm
A alavanca vermelha na parede
fala sobre situações de emergência
como usuário preso na porta
acidente ou coisa assim
Quero declarar uma urgência
e usar a alavanca enfim
para parar a mesmice do dia
e fugir da realidade torta
já são oito da manhã
e o trem está lotado
de gente que nem queria estar aqui
uma paranoia coletiva
bater o ponto e viver apressado
sem expectativa de fugir
a não ser pela porta que entrou
vivendo numa apatia passiva
Saem pessoas, entram pessoas
talvez nunca mais veja ninguém
eu não gravei suas caras
são como vultos na multidão
será que sou alguém
fechado nessa minha ilusão
vivendo uma vida à toa
enquanto o tempo passa